Para muitos pesquisadores, o momento da verdade não chega no laboratório ou em campo, mas diante de uma tela em branco. Após meses ou anos de meticulosa coleta de dados, a tarefa de escrever as seções "Resultados" e "Discussão" pode parecer um obstáculo final avassalador. Surge uma ansiedade comum: como transformar dados brutos em uma narrativa convincente? Como argumentar em favor de suas descobertas sem exagerar?
É tentador encarar esta etapa como uma mera tarefa, a etapa administrativa final antes da publicação. Mas essa perspectiva erra completamente o alvo. As seções de Resultados e Discussão são o cerne do seu artigo. É aqui que você vai além de simplesmente relatar o que fez e começa a explicar o que tudo isso significa. É aqui que a verdadeira história da sua pesquisa é contada, onde os dados se transformam em conhecimento e onde sua contribuição para a sua área é consolidada.
1 A REGRA DE OURO: OS RESULTADOS DIZEM O QUÊ , A DISCUSSÃO DIZ O PORQUÊ
O princípio mais fundamental e inegociável
é a separação estrita entre as seções de Resultados e Discussão. A seção de Resultados
deve apresentar apenas os fatos e dados de forma objetiva. Seu objetivo
é relatar o que você encontrou, usando texto, tabelas e figuras, sem adicionar nenhuma
camada de análise ou interpretação. É um espaço para relatos puros e sem adornos.
Em contraste, a seção Discussão
é onde você interpreta esses resultados. Sua função principal é explicar a importância
das suas descobertas, analisar o que elas significam em um contexto mais amplo e
construir um argumento com base nas evidências que você acabou de apresentar. Ela
responde à pergunta importante "E daí?"
que seus resultados invariavelmente levantam.
A seção de resultados de um
artigo de pesquisa informa ao leitor o que você descobriu, enquanto a seção de discussão
informa ao leitor o que suas descobertas significam.
Essa separação é importante porque reflete o próprio método científico: primeiro a observação, depois a interpretação. Ela mantém a objetividade científica, permitindo que os leitores examinem as evidências por si próprios antes de se guiarem pela sua análise. Isso gera imensa credibilidade e cria uma base clara e lógica para os argumentos que você apresentará na discussão, garantindo que seu artigo seja rigoroso e persuasivo.
2 A ESTRUTURA OCULTA: SEU ARTIGO DEVE TER O FORMATO DE UMA AMPULHETA
Um ótimo artigo científico tem um
formato narrativo natural: a ampulheta. Essa estrutura guia o leitor em uma jornada
intelectual lógica e satisfatória. O artigo começa de forma ampla, aprofunda-se
em um foco específico e, em seguida, expande-se para implicações mais amplas.
A introdução segue a famosa estrutura
de "pirâmide invertida". Você começa com a área geral de pesquisa, revisa
a literatura existente e, progressivamente, estreita seu foco até chegar à questão
de pesquisa e à hipótese específicas do seu estudo. As seções de Métodos e Resultados
permanecem estritamente focadas neste trabalho específico.
A seção Discussão, então,
inverte esse processo. Este é o momento em que o autor "dá alguns passos
para trás para ter uma visão geral dos dados". Você começa com suas descobertas
específicas e gradualmente expande seu foco para fora. Você conecta seus resultados
ao campo mais amplo do conhecimento, discute suas implicações mais amplas e situa
sua contribuição específica dentro da discussão acadêmica mais ampla.
Essa forma de ampulheta cumpre um contrato intelectual com o leitor; cria uma sensação de completude ao devolvê-lo ao contexto mais amplo, mas agora munido do novo conhecimento adquirido com seu estudo.
3 A RECEITA SECRETA: UMA ÓTIMA DISCUSSÃO SEGUE UMA ESTRUTURA FLEXÍVEL
Uma discussão eficaz não é
um monólogo desestruturado, mas sim um exame rigoroso e metódico das suas descobertas.
Em vez de uma redação intimidadora e livre, uma discussão sólida é construída a
partir de uma série de "movimentos" retóricos. Embora a estrutura exata
seja flexível, uma discussão eficaz normalmente inclui um conjunto básico de componentes
que garantem a cobertura de todas as bases intelectuais cruciais.
Pense nelas não como uma fórmula
rígida, mas como uma estrutura de movimentos essenciais e comuns. Alguns, como declarar
seus resultados e colocá-los em diálogo com a literatura existente, são essenciais.
Outros são usados com frequência variável, dependendo das necessidades do seu estudo.
1. Resuma e vincule: Comece
resumindo suas descobertas mais importantes e vinculando-as explicitamente à questão
de pesquisa original que você propôs na introdução. Isso lembra imediatamente o
leitor do propósito do estudo e de como você o abordou;
2. Forneça contexto: insira
suas descobertas na conversa existente. Retorne à sua revisão bibliográfica e compare
seus resultados com pesquisas anteriores. Eles corroboram, contradizem ou ampliam
o conhecimento existente?
3. Explique o inesperado: Aborde
diretamente quaisquer resultados surpreendentes, negativos ou contraditórios. Não
os ignore. Ofereça uma interpretação razoável para o motivo pelo qual essas descobertas
inesperadas podem ter ocorrido;
4. Reconheça as limitações: discuta
abertamente as fraquezas ou limitações do seu estudo. Quais são os limites da sua
pesquisa? Quais fatores podem ter influenciado os resultados?
5. Aponte o caminho a seguir:
Com base nas suas descobertas e nas limitações delas, recomende áreas específicas
para possíveis pesquisas complementares. Mostre aos leitores como seu trabalho abre
novas questões.
6. Declare a importância: Conclua
reafirmando sua descoberta mais importante e explicando suas implicações mais amplas.
Por que esta pesquisa é importante? Qual é a principal mensagem?
Encarar a discussão como um processo estruturado é revolucionário. Transforma uma tarefa complexa em um conjunto claro de etapas, garantindo que sua análise seja completa, lógica e convincente.
4. O PARADOXO DA CREDIBILIDADE: DESTACAR SUAS FALHAS O TORNA MAIS FORTE
Pode parecer contraintuitivo, mas
uma das maneiras mais poderosas de fortalecer seu artigo é admitir abertamente suas
falhas. Reconhecer as limitações da sua pesquisa não é sinal de fraqueza; é uma
demonstração de honestidade intelectual e autoconsciência crítica.
Esta etapa de autocrítica é essencial
para construir confiança. Nenhum estudo é perfeito, e pesquisadores experientes
sabem disso. Essa prática está alinhada ao ethos científico fundamental de
falseabilidade e humildade intelectual. Ao demonstrar que você entende onde seu
argumento pode ser questionado, você demonstra domínio sobre o assunto e reforça
suas afirmações.
Abordar as limitações ajuda a construir
sua credibilidade como escritor, porque o leitor vê que você pensou criticamente
sobre o que seu estudo aborda e não aborda.
Ao definir claramente os limites do que seu estudo pode ou não alegar, você faz com que suas descobertas reais pareçam mais robustas e confiáveis naquele contexto específico. Você não está tentando provar uma verdade universal, mas sim elaborando cuidadosamente uma contribuição específica e defensável para o conhecimento.
5 A VOZ DO ESCRITOR: ARGUMENTE COM PRECISÃO, NÃO COM ABSOLUTOS
A linguagem da escrita acadêmica,
especialmente na seção Discussão, é deliberadamente matizada. Seu objetivo não é
declarar uma verdade absoluta e final, mas contribuir com uma interpretação bem
fundamentada para um diálogo acadêmico contínuo. Isso é mais do que uma escolha
estilística; é uma necessidade epistemológica. Reflete uma profunda compreensão
de que o conhecimento é provisório e que seu trabalho é apenas um passo em uma longa
e contínua conversa, não a palavra final. Escritores sofisticados usam a linguagem
para "sinalizar incerteza, possibilidade ou probabilidade, em vez de certeza".
Essa precisão é mais evidente na escolha dos verbos. A seção Resultados apresenta fatos, enquanto a seção Discussão constrói um argumento interpretativo.
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PARA RELATÓRIOS OBJETIVOS
(RESULTADOS) |
PARA ARGUMENTO INTERPRETATIVO
(DISCUSSÃO) |
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encontrar |
sugerir |
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descobrir |
indicar |
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observar |
revelar |
|
identificar |
mostrar |
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observação |
ilustrar |
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obter |
apontar para |
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demonstrar |
Essa precisão linguística é uma marca registrada da escrita acadêmica sofisticada. Ela demonstra respeito pela complexidade do seu tema e reconhece que o conhecimento é construído de forma incremental por meio de uma comunidade de pesquisadores. Demonstra que você entende o seu papel: não como alguém que tem a palavra final, mas como alguém que está avançando na conversa.
CONCLUSÃO: DE REPÓRTER A INTÉRPRETE
Escrever um artigo de pesquisa impactante
exige uma mudança importante de mentalidade.
Na seção Resultados, você é um repórter meticuloso, apresentando os
fatos de forma clara e objetiva. Já na seção Discussão, você deve se tornar
um intérprete cuidadoso, entrelaçando esses fatos em uma narrativa significativa
que explique sua importância.
Ao assumir esse duplo papel e aplicar
esses cinco princípios, você pode transformar sua escrita de um simples resumo de
dados em um artigo acadêmico convincente e influente.
REFERÊNCIAS
CICERO, C. Q. Artigo acadêmico: análise e discussão dos resultados. WordPress, 2018. Disponível em: https://cicerocq.wordpress.com/wp-content/uploads/2018/12/Artigo-academico-_-analise-e-discussao-dos-resultados-1.pdf. Acesso em: 22 out. 2025.
PUC
GOIÁS. Relatando os resultados de sua pesquisa. Goiânia: Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, 2003. Disponível em: https://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/7820/material/RELATANDO%20OS%20RESULTADOS%20DE%20SUA%20PESQUISA.pdf.
Acesso em: 22 out. 2025.

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